Dick, o cachorrinho sapeca


Gilmar Peres

Do quarto para sala e da sala para o quarto. Vez por outra, uma parada na janela, assistindo ao movimento na rua, quase escondido. Não podia correr atrás de uma bola, voar numa bicicleta, nem mesmo ir sozinho à casa de um amigo. A vida em cima da geringonça, como chamava aquela coisa feita de metal, tecido e borracha, limitava-o demais, batendo as rodas nos cantos das paredes, móveis e portas. Passava horas e horas em frente à televisão. De vez em quando, recebia visita. Isso não lhe animava muito. Era a mãe forçando uma companhia. Quase não interagia nesses momentos, preocupando a família com recursos escassos para acompanhamento psicológico.

A maior paixão era por cachorros e, quando na janela, prestava atenção neles. Muito mais do que nas pessoas. Pesquisava tanto quanto podia e tinha respostas na ponta da língua sobre as raças. Depois de muito insistir, os pais perceberam que um animalzinho poderia ajudar. Primeiro, pensaram num aquário. Depois, num canário belga, mas o menino não se identificava com bichos presos. Tartaruga seria uma crueldade, segundo a mãe. Os pais temiam o cachorro por dois motivos: a dificuldade em se locomover atrás dele e os gastos. Até que finalmente fizeram sua vontade.

No aniversário de nove anos, chegaram com a grande surpresa. Dessa vez, não era um brinquedo plástico ou um jogo de tabuleiro. O tão sonhado presente veio no colo. Um filhote pequeno, branco e com uma mancha preta ao redor do olho esquerdo. O menino não se continha, balançando e batendo palmas. Quase deixou cair do colo o filhote quieto, recém-desmamado e de raça indefinida.

- Pensou num nome, filho? – perguntou a mãe com os olhos ensopados.
- Pensei. Dick.
- Mas por que esse?
- Por causa de um filme, pai. Além de ser diferente, não conheço outro. Será Dick.

Logo se tornaram os melhores amigos. Passavam dias e noites se acariciando. Faziam as refeições, tomavam banho e até dormiam juntos. O menino ensinou o cachorro a buscar uma bola de borracha com a boca e brincavam à exaustão, gritando “Dick, pega!”. O cachorrinho ensinou o menino a sair sozinho para o pátio, deixando a mãe com o coração na mão na primeira vez. Era outra criança. Arranjou até algumas amizades para brincarem juntos e, a cada dia, ficava mais inteligente. Antes quieta, normalmente com o som da televisão e de vez em quando, o gemer daquela coisa, a casa ficou agitada como nunca. Mas os pais agradeciam pela chegada do novo membro à família.

Dick, de tão sapeca, aprendeu a saltar o muro. Um dia, ouviu-se o freio de um caminhão, seguido do grito agudo e sofrido. O menino berrou seu nome. O cachorrinho não voltaria a buscar a bola. Os pais, a fim de pouparem o filho, não permitiram despedidas. A vida testava o menino mais uma vez para um futuro repleto de perdas.

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Gilmar Peres

E-mail: pcgpop@hotmail.com

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