No fim do mundo


Gilmar Peres

Desde o começo dos tempos, o homem se pergunta como seria o fim do mundo. Para alguns, ele ainda existe. Eu prefiro aquele que se intitula, mas não é. Na terra do fogo, Patagônia argentina, está a charmosa Ushuaia. Foi lá que resolvi passar o Carnaval de 2019. Temperaturas entre 4 e 12 graus. Comida e bebida típica, com ótimos assados, vinhos bons e baratos. Lugar pequeno em que podemos fazer quase tudo a pé. Uma tranquilidade interiorana, embora turística. A cordilheira dos Andes com picos irregulares e partes cobertas por neve, mesmo no verão, caindo no canal Beagle que liga o Atlântico ao Pacífico, deixa a paisagem deslumbrante.

Há várias opções de passeio, em especial para quem gosta de natureza e não tem medo do frio. O vento gelado nos faz lembrar a todo instante que estamos perto da Antártida. Do porto, partem os navios para lá, inclusive os de Cruzeiro. Além do vento, os nomes dos locais também nos fazem lembrar de que estamos no ponto mais austral, como o Trem do Fim do Mundo. O Parque Nacional da Terra do Fogo, onde fica o Lago Roca com uma água verde oceânico e vento cortante, congelando os desprevenidos que acreditavam num dia ensolarado é outro lugar marcante.

Mas a cidade que era habitada por indígenas, foi construída em função de um presídio. Local para onde, no começo do século XX, enviavam os bandidos mais perigosos da Argentina. As temperaturas congelantes e a distância para outras cidades tornavam a fuga uma opção remota de sucesso. O jeito era trabalhar pesado para ter uma vida mais digna e tranquila ou sucumbir ao frio e à solidão.

Na minúscula cela modelo do presídio onde há um boneco de cera de um ex-detento, passei por uma situação que reputo como extrassensorial. Sentei a sua frente e me atrevi a perguntar o que ele havia feito. Naquele momento, um barulho intenso como se alguém derrubasse algo dentro do espaço claustrofóbico e um zumbido no ouvido me deu a certeza de que não deveria ter tocado no assunto. Minha mulher também percebeu. A partir dali, persegui a moça que guiava a visita, apresentando o presídio e suas galerias aterrorizantes. Quanta gente teria morrido e sofrido naquele local? Histórias não faltam. No final do roteiro, chamei a moça e relatei o ocorrido, ela não se espantou. Pelo contrário, contou outras experiências de colegas dela no local, especialmente à noite. Choros, gritos e gemidos são habituais. Inclusive o som de correntes sendo arrastadas. Ela nunca presenciou.

Por fim, no mesmo dia, acabamos num Carnaval de rua. Nem perto do brasileiro. Porém, para quem foi repreendido por fantasmas, e estava no fim do mundo, nada como uma batucada de Hermano para esquecer, seguido por um assado de tiras e acompanhado pelo malbec.

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Gilmar Peres

E-mail: pcgpop@hotmail.com

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